O Festival Folclórico de Parintins surgiu em 1965. Uma das razões para a criação do festival era a necessidade de organizar e controlar as duas grandes torcidas que se confrontavam nas ruas da ilha de Parintins. Esses confrontos eram marcados pela violência e criar um “marco regulatório” para a brincadeira era uma urgência. Surge então na quadra da Juventude Alegre Católica (JAC), braço da igreja católica na Amazônia, o Festival Folclórico de Parintins. Apesar da intervenção da igreja em uma festa pagã, a rivalidade não cessou e os confrontos aconteciam logo após o resultado de quem era o vencedor de cada edição do evento. Assim, no final da década de 1980, a prefeitura entrou para organizar e por fim as hostilidades. Nesse período, inaugurara no Rio de Janeiro, o sambódromo. Não tardou para que Parintins inaugurasse sua versão para o complexo em formato de arena que até hoje abriga a festa: o bumbódromo. Desde então, a cidade se divide ao meio. Zona sul:contrário. Zona norte: Garantido. Como regra, nenhuma das duas torcidas em passeata pode cruzar tais limites.
A Evolução
O Festival Folclórico de Parintins acontece durante três noites. Sempre no último final de semana de junho. Cada boi tem 2h30 para realizar seu espetáculo por noite. A festa é um grande resumo do folclore brasileiro. No evento é possível encontrar lendas, rituais, figuras típicas, tribos e cordões de danças regionais. Tudo ao sabor das toadas, que é a trilha que embala os ensaios e as apresentações durantes as três noites de disputas. Esse enorme mosaico de expressões se deve à formação social dos povos da Amazônia. Muito dessa contribuição advém do nordeste brasileiro, cujo povo sofrido pela seca, viu no Amazonas e seu fausto período da borracha, o “Eldorado”. O norte brasileiro passou a ser o destino de milhares de nordestinos que consigo trouxeram a cultura dos folguedos juninos. Em Parintins, essas misturas resultaram num exótico universo que une o auto do boi, com Pai Francisco, Mãe Catirina, o Negro Gazumbá, a Lenda do Boto, Cobra Grande, Mapinguarí, Matinta Perêra e outras expressões do folclore popular. Apesar de rica, a festa parintinense começou a ganhar ares de grande espetáculo quando na década de 1970, o artista plástico Jair Mendes foi ao Rio de Janeiro para assistir o carnaval carioca. Do Rio, trouxe a ideia dos carros alegóricos, que em Parintins passaram a se chamar “alegorias”. Assim com o passar dos anos, as alegorias ganharam tamanho, grandeza e forma. Além disso, em meados de 1990, a genialidade parintinense fez com que os módulos e grandes esculturas, passassem a ter movimentos robóticos. Tal evolução levou as grandes escolas de São Paulo e Rio de Janeiro a contratar os talentos de Parintins. É Parintins devolvendo ao Rio, em forma de arte, a troca cultural emprestada na década de 1970.
Para entender o “Parintinês”
Falar de Parintins e seu festival exige certa atenção à formação da cultura popular brasileira. Ainda mais quando se trata de Amazônia, região de dimensões continentais e vasta diversidade de expressões. Mas, para não fazer feio aqui vão dicas para se entender Parintins e sua bela festa. Algumas palavras que ajudam a entender o festival.
BAIXA DE SÃO JOSÉ: bairro pobre, antiga vila de pescadores, reduto de negros e mestiços e templo do folclore parintinense. Na Baixa nasceu Mestre Lindolfo e o Garantido.
LINDOLFO MONTEVERDE: pescador de origem negra, descendente de escravos. Repentista e gênio da cultura popular. Compositor e versador foi o criador do Garantido. Nasceu em 1902 e faleceu em 1979.
BATUCADA: denominada também, de “os camisa encarnada”. Grupo rítmico formado por cerca de 350 batuqueiros. É o coração pulsante do Garantido nos ensaios e nas apresentações de arena.
GALERA: torcida apaixonada que torce pelo seu boi nas arquibancadas que são gratuitas durante os três dias de espetáculo em Parintins. A galera é um ‘item’ (equivalente ao ‘quesito’ no carnaval) e sua participação conta pontos na luta para vencer o boi “contrário”. Por tanto, não se pode ficar parado durante a exibição do boi. O detalhe é que quando um boi se apresenta, a torcida adversária fica em total silêncio. Vaiar ou ofender o adversário implica em perdas de pontos.
ITENS: conjunto matemático representado por indivíduos, alegorias ou grupos estéticos que são os elementos comparativos no julgamento do festival.Ex: Galera item 19. Apresentador item 01, Levantador de Toada item de número 02.
CONTRÁRIO: é aquele que não é Garantido. Tudo bem, eles também nos chamam de “contrários”. É como o torcedor denomina o boi contrário ao seu. Em Parintins a rivalidade é tão acirrada que não se pode pronunciar o nome do boi contrário sob pena de contrair azar por 100 anos, ficar doente... E fica pior se você pronunciar capric... Melhor não arriscar.
OLHA JÁ!: típica expressão do interior da Amazônia que significa espanto ou deboche. Ex: “Olha já o boi contrário querendo imitar o Garantido!”
BUMBÓDROMO: arena de espetáculo no formato da cabeça de um boi. Foi concebido pelo arquiteto Paulo Emílio Galvão, torcedor do Garantido no final dos anos 1980. Ela se divide ao meio. Sua lotação é de aproximadamente 30 mil pessoas divididas em camarotes, frisas, cadeiras especiais e arquibancada geral. Lado sul contrário e lado norte Garantido. Como via de regra não se pode usar vermelho no setor azul e muito menos azul no setor vermelho, sob pena de entrar em coma involuntário...
TACACÁ: iguaria típica da Amazônia, o tacacá é uma espécie de sopa servida em cuia, composta de caldo de tucupi, goma de tapioca, camarão e jambú. Em Parintins é muito apreciada com cebolinha que o aromatiza ainda mais. No festival é muito consumido.
Curiosidades
O universo de Parintins interage com o mundo artístico brasileiro mais do que se imagina. Além dos artesãos parintinenses que fazem os movimentos dos carros das escolas de samba de São Paulo e Rio de Janeiro, inúmeras personalidades do mundo artístico flertam com Parintins. O sambista Jorge Aragão já fez toada para o Garantido. O também sambista Chico da Silva, autor de sambas de renome como “Sufoco” imortalizado na voz de Alcione, é autor do clássico “Vermelho”, que fez sucesso na voz de Fafá de Belém. Fafá é fã de Parintins e quando pode vai ao Festival. A sambista Lecy Brandão gravou no inicio dos anos 1990 a toada “Não Mate a Mata” do boi Garantido numa versão samba. O pagodeiro Andrezinho da banda Molejo é outro que de vez em quando está no setor de camarotes do boi Garantido. Ivo Meireles da Mangueira toca surdo na Batucada do Garantido. A baiana Daniela Mercury cantou na arena do Garantido na abertura do festival de 2010. No mesmo ano gravou uma toada do Garantido em seu DVD e levou os vermelhos para se apresentar no seu trio no tradicional e fervido carnaval de rua da Bahia. Recentemente quem sem rendeu aos encantos do boi do povão foi o craque e agora senador da república Romário. Romário esteve em Parintins esse ano, torcendo mais uma vez pelo Garantido.O festival completou em 2015 seu cinquentenário. São 50 disputas das quais o Garantido arrebatou 30 títulos. É o maior vencedor na disputa parintinense, cabendo ao contrário, pálidos 20 títulos.